sábado, 17 de outubro de 2009

5 semanas depois...

Eu ainda estremeço ao som do telefone tocando a noite.Tenho sonhos sem sentido...e percebo que eu desaprendi a viver.Quero voltar a ter 5 anos...quando todos eles estavam aqui.Ou quase todos.

Depois de tantas, eu deveria ter acostumado com as perdas...mas a cada ano, a cada uma delas, eu me desconstruo.

A pedra da qual eu tinha sido tirada debaixo voltou. E ninguém pode me salvar agora.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Quero viver no admirável mundo novo

Onde as pessoas não sentem
Não se apegam.
Não amam.
Não são pessoas.
São robôs orgânicos, que não sofrem.
São práticos e funcionais como um pedaço de lata, incapaz de sentir.
Eu revindico o direito de ser uma mera peça do sistema.
Eu revindico o direito de me dopar com soma.
O direito de ser pré-condicionada a não sentir.
A não me importar.
A não me preocupar.
E a não esperar.A não alimentar esperanças, sonhos, ou perspectivas de um futuro feliz.
Porque a felicidade é imediata, provida por 4 pílulas que restaura a ordem utópica das emoções pré programadas.
Eu revindico o direito de ser uma alfa mais.Ou mesmo um patético Ípslon, que ama ser um Ípsilon e está feliz com sua condição.
Eu revindico o direito de ser um Bernard Marx, uma Lenina Crowne, uma Fanny Crowne ou um Helmhotz Watson.
Eu revindico o direito de ser uma máquina de não sentir.

domingo, 4 de outubro de 2009

Uma história de amor...

...que não fazia parte da ficção.

Não é isso que todos sonham? Alguém que penetre tão profundamente em nossa alma que possa encontrar ali algo que faça valer a pena morrer? - Gabrielle em XWP

É isso com que todos sonho.É isso com que eu sonho. E acredito que se torne cada vez mais difícil vivenciar isso na vida real.Vivenciar aquele sentimento, que na ficção te arrebata e te faz ser completamente devoto à pessoa amada.

Fazem quase duas semanas que minha mãe partiu pro plano espiritual.
A dor foi, e ainda é dilacerante, embora eu esteja conseguindo ser mais forte do que eu imaginei que seria nessa situação.

Mas não é pra falar da minha dor que estou escrevendo esse texto.É pra falar da história de amor não fictícia, sobre a história de amor de meus pais.

Eles começaram a namorar no colegial, e depois de um desentendimento ficaram separados por um tempo.
Depois voltaram a ficar juntos, mais juntos do que nunca.Em 79, minha mãe sofreu um acidente de ônibus, onde teve as duas pernas fraturadas e parte do rosto muito desfigurado.Meu pai nunca havia falado sobre como ele se sentiu na época, mas recentemente ele me contou o quanto ficou desesperado, dilacerado achando que ficaria sem ela. Felizmente após muitas cirurgias, plásticas, muitos, muitos meses com gesso e muito fisioterapia, ela se recuperou completamente.E ele nunca saiu do lado dela.
O namoro durava anos, e eles queriam se casar, mas impedimento, meu pai estava desempregado, e mesmo quando ele tinha um emprego, o preconceito étnico da minha avó fazia ela detestar a idéia da minha mãe se casar com um "polonês comedor de cebolas". Sim, aqui não são os negros os que sofrem preconceito.É toda a população, porque quase toda a população descende de ucranianos e/ou poloneses e eles se rivalizam entre si.Minha vó descendia de ambos...e detestava ambos.

Mas minha mãe lutou e não desistiu por essa causa.Enfrentou a família, e com fé, rezou o terço todos os dias até que meu pai conseguisse um emprego.Ele conseguiu, e em 1985 eles se casaram.

No dia 21 de setembro, eles completaram 24 anos de casados.Minha mãe estava no hospital...eu abracei ambos e desejei parabéns, e ela disse que no ano que vem eles comemorariam as bodas de prata com uma churrascada.Um dia depois ela desencarnou.

Eu tive a sorte de crescer com meus pais juntos.Durante todos esses anos, nunca os vi brigarem.Discutir, algumas vezes, mas brigar, nunca.Sempre foram um exemplo de companheirismo.Ambos foram completamente devotos um do outro, exemplos perfeitos de fidelidade.
Meu pai nunca foi de sair sozinho, ir em bares ou em casa de amigos.Ou ele saía pra trabalhar, ou ele saía com a família.E não era por obrigação, era porque esse era o jeito que ele gostava que fosse. Minha mãe nunca precisou se preocupar com ciúmes.Nunca precisou desconfiar de nada.
Era sagrado ele dar presentes a ela no dia das mães, no aniversário dela, no aniversário de casamento e no dia dos namorados.Sem contar as outras datas festivas.

Naturalmente em algum ponto da minha vida, vendo vários pais e amigos e colegas meus se divorciarem, eu questionei mentalmente "Será que meus pais ainda se amam?", ou seria mero comodismo o fato de estarem juntos.Bastou que eu os observasse melhor para que tivesse a resposta.
Eles nunca foram o tipo de casal de demonstrações públicas de afeto.O afeto estava em cada gesto do dia a dia na nossa rotina de casa.E mais do que amor, ali existia uma amizade enorme.
Acredito francamente que se o conceito de almas gêmeas for verdadeiro, era isso que eles eram.

Com os anos, minha mãe passou a sofrer de artrite reumatóide, o que resultava em dores fortes, necessidade de repouso e consultas quase que mensais.
Os remédios que ela tomava inicialmente causavam alguns efeitos psicológicos, como melancolia, hipersensibilidade e irritação.E haviam vezes que as dores eram tão intensas que um desânimo total a abatia.Eu como filha, ficava completamente desolada e a ajudava como podia.Mas meu pai, meu pai era um guerreiro incansável.Ele não poupava palavras de motivação.Não poupava dinheiro em remédios.Não poupava horas de sono perdidas para dar os remédios a ela no meio da noite, quando as dores eram tantas que ela não conseguia nem puxar um cobertor.

Ela melhorou com o tempo, mas o tratamento era contínuo.Meu pai muitas vezes travou discussões medonhas com o chefe para poder tirar os dias de folga e levá-la na médica em outra cidade.

Por último ela andava relativamente bem.Mas os remédios que tomava baixavam a imunidade.Meu pai, com minha ajuda, travou uma batalha na prevenção de que o vírus H1N1 entrasse em nossa casa.Desinfetava tudo que vinha da rua.Lavava as mãos compulsivamente.Tinha medo.Medo.
Mas a H1N1 nunca a acometeu.Foi uma pneumonia, traiçoeira e silenciosa, que chegou e a levou para o plano espiritual em cerca de 5 dias.
Lembram quando eu disse que em um ponto cheguei a questionar "Será que meus pais ainda se amam?". Quando eu vi o olhar nos olhos de meu pai, quando o hospital ligou dando a notícia, eu não tive dúvidas.Ele tinha perdido o chão.Eu havia visto meu pai chorar quando o pai dele morreu, e possivelmente quando a mãe dele morreu, embora eu fosse nova demais pra que tenha lembranças concretas, mas nunca da forma como ele chorou pela minha mãe.Não era apenas o choro.Era o olhar.Um pedaço dele tinha sido tirado.Um pedaço de nós.Mas ele era a minha fortaleza agora, e ver minha fortaleza tão frágil fez com que eu quisesse me transformar numa fortaleza.Fui eu quem teve de segurá-lo.E mantê-lo de pé, nos primeiros dias.
O mais estranho de tudo, é que nos quadros mentais que eu pintava do dia que eu ficaria sem minha mãe, tudo levava as cores do desespero, da revolta, da desolação.Mas de alguma forma, Deus me deu força o suficiente pra que eu pudesse dar força a meu pai.

Histórias de amor, fictícias ou não, sempre trazem lições.As que eu tirei dessa, além dos exemplos de companheirismo e fidelidade infinitas, foi uma frase que minha mãe me disse há alguns anos.
"Quando eu e seu pai namorávamos, sua vó pressionou muito pra que nos separássemos,por causa do preconceito dela, mas isso nunca aconteceu, porque eu tive força e aguentei a pressão.Se um dia isso acontecer com você, tenha força pra aguentar também".
Ela nunca soube em vida, que ela estava dizendo justamente as palavras que eu precisava ouvir.

Saudades eternas de chegar da faculdade e ver os dois sentados lado a lado no sofá, religiosamente, mesmo que em silêncio, fortalecendo os laços que tinham.

The greatest love story I've ever known.