domingo, 21 de dezembro de 2008

As figuras mitológicas de um povo...

Morar numa cidade pequena é interessante.Tirando o fato de todo mundo saber - e se importar - com a vida de todo mundo, o meio social no qual se está inserido tem algumas particularidades quase mitológicas.Algumas, atravessam décadas se fazendo presentes nas vidas de muitas gerações.

Desde os meus primeiros anos de vida, ouço falar e vejo uma figura bastante conhecida pelo povo da minha cidade.Um senhor de apelido Edite, tendo como verdadeiro nome, Edil Johnson.

Quando eu era criança, minha mãe me assustava dizendo que ele trabalhava para o velho do saco e pegava crianças que saiam na rua. Os anos passaram e a mentira contada havia perdido o efeito. Entendi que Edite era apenas um homem que há muito havia saído do mundo real. Munido de uma boina ou eventualmente um boné do avesso, uma mochila que ás vezes contém uma frigideira pendurada, atravessa a cidade interminávelmente em busca de...O que é que ele busca mesmo? Difícil alguém definir. Talvez busque os seus sonhos perdidos, enquanto pára de loja em loja e conversa com as pessoas na esperança de ganhar "algum".
Embora peça dinheiro sempre que pode, Edite não é um mendigo. Recebe sua aposentadoria, alguns dizem que permitem que ele durma na cadeia, e embora suas roupas sejam normalmente velhas, ele nunca está vestindo farrapos. Talvez parar as pessoas nas ruas seja apenas um hobby, uma maneira de ele ganhar alguma atenção. Se não ganha dinheiro, continua de bom humor. Eu, como cidadã - ainda - não motorizada, diversas vezes já passei por tal situação.

-Opa, tem algum troco aí pra ajudar com a comida?
-Ih, hoje a coisa tá feia.
-Tá feia por toda parte 'mermo'.Manda um abraço pra família.

Ás vezes ele nem dinheiro pede. Contenta-se apenas em mandar um abraço pra família, mesmo não fazendo idéia de quem a família seja.
Hoje ele deve estar com quase 80 anos, e ainda atravessa a cidade andando. As versões de como ele acabou desse jeito são diversas. A única verdade garantida até hoje é de que ele foi um homem rico, muito bem apessoado que trabalhava para o Industrial Kurt Gustavo Schlumberger. Meu avô tinha uma foto dele quando jovem, em companhia de duas moças. Sujeito charmoso que fazia sucesso com as mulheres. Hoje...personificação da decadência.
Como decaiu ninguém parece realmente saber. Uns dizem que esteve na guerra e os traumas sofridos lá lhe tiraram a lucidez. Outros, que se embebedou numa festa, e sendo isso um absurdo pzra época, os policiais lhe bateram tanto na cabeça que levaram embora seu juízo. E ainda há a terceira versão de que teria se apaixonado pela sobrinha de Kurt, e não tendo o amor correspondido, abandonou o mundo real partindo para a esfera do sonho e da imaginação, autodenomidando-se "Capitão Vermelho". Apesar de desprovido de sua lucidez, nunca desrespeitou ninguém. O caminho dele é a conversa, povoada de conspirações políticas, eras de mudanças e discos voadores.

Um Dom Quixote prudentopolitano que tem passado décadas perambulando pelas ruas e observando pessoas. Observando. Observando. Observando.
E hoje, quando ouço alguém cheio de piedade por sua suposta loucura, exclamar "Pobre Edite", fico imaginando se ele não está na verdade mais lúcido e em melhor juízo do que todo o resto da cidade.

Um comentário:

Déh disse...

Engraçado Mary. Creio que todo recanto desse no imenso país tenha uma figura assim, que traga alguma coisa no seu passado que ninguém sabe ao certo explicar, mas que absoluta certeza são mais lúcidos que os que se acham lúcidos.
Perfeito amiga. Amei seu texto